Capítulos I e II

Capítulo I: O pesadelo. 

Narrado por Michael.
Era ela, era ela que seria a minha próxima vítima, era o grito dela que ouviria em breve, era o desespero que implantaria nela; ela era a caça. O dom da caça era tudo o que eu necessitava. Apenas a iluminação que vinha de um poste antigo mostrava-me a vítima, mas eu não precisava de luz para ter a certeza. Escondido em uma ruela deserta, sob a sombra de alguns entulhos, encontrava-me ali. Logo ela passaria por mim, logo eu agiria, logo eu me saciaria. Olhei para a máscara que havia em minha mão, suspirei levemente, procurava não dar indícios da minha presença... ela logo saberia dela. "Um, dois, três e...", contei mentalmente, enquanto colocava a máscara sob a minha face e empunhava a faca que estava no chão. 
Olá, sou seu pesadelo. - Falei, quando ela aproximou-se do lugar onde ela estava, colocando a faca em sua garganta e segurando seu corpo junto ao meu. - Se você gritar, aposto que será o último grito de sua vida. - Sorri por baixo da máscara. Era tão bom estar de volta.

Narrado por Katy.
Doía, tudo doía. Eu estava jogada em uma viela imunda, o ar taciturno zumbia em meus tímpanos. As lágrimas escorriam pela minha face, meu coração estava batendo, embora parecesse estraçalhado pela dor, o nojo inundava por todos os poros do meu corpo. Suja de sangue, levantei minha calcinha e abaixei o vestido. Havia algo que queimava, em minha barriga, algo que doía e queimava sob a minha pele; um corte profundo, talvez. Não conseguia levantar daquele chão sujo e frio, não havia força o suficiente que pudesse me reerguer dali e fazer-me parar de desejar a morte pacífica. Tentei levantar-me, mas caí novamente. O sangue escorria pelas minhas pernas. Cada lágrima ardia de tal maneira que desejava morrer a cada milésimo do segundo.
SOCORRO! - Entre soluços do choro, tentei gritar, mas minha voz vacilou. 
As lembranças que eu mais desejava esquecer, agora surgiam nítidas na minha cabeça. Chorando e soluçando cada vez mais, sentindo nojo de mim mesma e uma dor inexplicável, fiquei caída. Passos ecoaram pela solidão da rua. Desesperada, gritei com medo que ele voltasse.
VAI EMBORA, POR FAVOR! VOCÊ JÁ ME MACHUCOU DEMAIS! - A minha garganta ardia, cada palavra saía como se fosse a última, cada uma emitindo uma grande dor no meu peito. Cada barulho que chegava mais perto, a dor e as lágrimas eram mais intensas.
Quem está aí? - Uma voz masculina, jovial, emitia um tom preocupado e confuso. 
Aos poucos, vi alguns passos correndo em minha direção, um garoto moreno tentava, desesperadamente, ajudar-me. Tentei falar, mas não conseguia mais emitir som algum, minhas forças já haviam ido embora. Ele pegava na minha mão, tentava falar, mas eu não conseguia ouvir nada. Aos poucos, tudo foi ficando escuro, sem som, até que caí no vazio.
Os barulhos de várias máquinas penetravam pelos meus tímpanos, os fracos raios de sol já começava a adentrar para o âmbito, os pássaros cantavam serenatas doces, ao longo do caminho, pouco barulho se ouvia. Desnorteada, abri os olhos com urgência. O branco do local era quase assustador. Com a visão embaçada, não conseguia distinguir muita coisa. Logo, as imagens voltaram a me atormentar. Balancei a cabeça como quem quer retirar os pensamentos pelos ouvidos. Minha visão voltou ao normal. Meus orbes logo captaram a figura de um rapaz que dormia no sofá ao canto da sala; ele parecia exausto. O medo, por segundos, me atormentou, mas logo reconheci que aquele rapaz não era o mesmo que havia me deixado naquele estado, ele era só um garoto que aparentava ter seus quinze anos, como eu. Apesar da distração momentânea, o assombro de não saber aonde estava começou a perturbar. De fato, notei que estava em algum hospital ou clínica, mas não sabia qual. Talvez eles fossem me matar, talvez fosse uma morte pacífica, ou talvez só quisessem me machucar mais um pouco. Com a cabeça erguida pelos travesseiros, eu conseguia visualizar tudo ao meu redor. Olhei para o meio das minhas pernas; o sangue não estava mais ali. Afundei a cabeça no travesseiro e comecei a chorar. As cenas entravam em minha mente como filmes de terror, cenas que não queria recordar, apareciam; a dor e o nojo também haviam retornado. Sem anunciar qualquer coisa, uma enfermeira entrou na sala, olhou para os aparelhos, pegou a seringa que estava em cima da mesa e picou o fio de soro que estava conectado ao meu braço. Novamente, tudo foi ficando escuro. Enquanto a escuridão envolvia-me, meu cérebro mostrava cenas e mais cenas, o rosto do demônio que havia me violentado, a boca dele sussurrando coisas nojentas para mim, a mão dele percorrendo o meu corpo, o nojo que eu sentia, tudo o que eu mais relutava para esquecer...


O que você fez com ela? - Essa frase despertou-me. Abri os olhos com rapidez, olhei para a porta e vi um policial segurando o garoto pela gola da blusa de frio e intimidando-o. 
- Eu não fiz nada! Eu estava voltando da casa do meu colega, ouvi alguém gritar por socorro e senti a urgência da pessoa. Quando cheguei em um beco escuro, eu... - a voz dele vacilou, parecia que começaria a chorar ou algo do tipo. - encontrei-a. Ela estava toda machucada, suas roupas estavam estranhas e eu vi o sangue vindo debaixo de suas pernas. - suspirou, fitando o chão, proferiu: - Eu peguei ela nos braços e trouxe pra cá, não estávamos muito longe daqui.
É verdade isso? - Perguntou o policial, enquanto fitava-o balançar a cabeça positivamente. 
Eu senti algo estranho vindo do garoto, era como se ele estivesse mal por mim. 
Por favor, me diga que ela vai ficar bem. - Suplicou o garoto, como se fosse alguém que ele amava que estivesse no meu lugar.
Comecei a pensar, e isso não era bom. As lembranças, o desespero, as lágrimas voltavam a cada segundo, sentindo o gosto das lágrimas em minha garganta, o sufocar  da desesperança e a vontade de que tudo acabe me inundar. Tudo me levava ao desespero. Meus olhos logo avistaram uma senhora alta, cabelo loiros com mechas brancas passando por ali; Minha mãe. Ouvi-a chorar, vi-a se desesperar diante do policial que tentava explicar o acontecido, tentava acalmá-la.
A sua filha, ela... ela foi abusada sexualmente por... - Antes dele conseguir terminar de explicar, ela já se desesperava e tentava inutilmente entrar no âmbito em que eu permanecia parada, quase sem vida. 
NÃO! É MENTIRA, ISSO É MENTIRA! VOCÊ ESTÁ MENTINDO PRA MIM! - Enquanto ela gritava, senti meu coração e minhas lágrimas vacilarem. Vi-a bater com os punhos no peito do jovem policial, vi-a sendo contida por um abraço, vi-a chorar desesperada e sem saber o que fazer.
Sinto muito, senhora. - Isso era tudo o que ele poderia dizer. 
Algumas semanas se passaram, talvez um mês, eu não sabia. Tudo era monótono, tudo era exaustivo, falso, desesperador. Eu não conseguia mais chegar perto de ninguém sem temer, apenas algumas pessoas obtinham da minha confiança. Não conseguia mais encarar as pessoas, não conseguia mais me controlar, não sorria, não via a beleza da vida, não via mais nada que me fizesse feliz. Eu havia virado uma pessoa morta que anda, come e dorme, apenas isso. Todos os dias o Matheus, o garoto que havia me salvado, digamos assim, me mandava algo, um recado ou ía me visitar. Raramente eu deixava-o entrar. Na verdade, só permiti-me conversar com ele uma vez, apenas para agradecer. Agora eu encontrava-me no meu quarto, encostada no peitoral da janela, observava os carros passando sem entusiasmo, as pessoas rindo e não encontrado graça alguma para aquilo. Mais uma vez eu havia mentido pra não ir pra escola, não queria mais receber olhares de pena, de dor falsa ou até de piedade. O meu pijama, a minha cama e a janela eram confortáveis o suficiente pra me deixar bem. Enquanto eu perdia-me em pensamentos, observando as pessoas passando, ouvi a porta do quarto bater, virei-me assustada, o medo tornava a me invadir.
Olha, Katie, eu sei que você está passando por um momento difícil, está sentindo dor, mas ficar aqui trancada pra sempre não irá te ajudar. - Minha mãe falava como se eu fosse alguma criança, dividida entre a dó que sentia e a raiva que também sentia. Era como se ela estivesse explicando para uma criança que é preciso se machucar para poder vencer na vida. 
- Na verdade, mãe, eu ando pensando bastante na ideia de ficar aqui pra sempre, está me ajudando bastante. - Meu tom era frio, fleumático, enquanto uma pitada de ironia e verdade aparecia no que eu dizia.
- O Mat está aqui, e, hoje, você vai ir falar com ele. Ele está preocupado com você, vem todos os dias, pergunta como você está e você sempre bate a porta na cara dele. - "Mat? Quanta intimidade, hein.", pensei. 
Não peço pra ele vir me ver, não peço olhares de dó ou pena, não estou pedindo nada à ele, mande-o ir embora! - As lágrimas sempre voltavam, sempre. 
Não, você vai descer e ser educada com ele. - Agora ela estava sendo severa. 
Por quê? Por que eu tenho que fingir ser agradável com um desconhecido?
- Porque ele salvou a sua vida.

Capítulo II: Por que ele não me deixa em paz?


Perdi... sim, eu perdi! Minha mãe me fez tirar o pijama e colocar outra roupa, uma que, segundo ela, era apresentável. Na verdade, era um jeans escuro e uma babylook branca com um I ♥ NY. Não liguei pra roupa, não liguei pra nada, apenas queria acabar com aquilo rápido. Passei uma escova rápida pelos meus cabelos, notando como estavam grandes, sem corte algum e descuidados. O mesmo acontecia com o meu rosto e o meu corpo, ambos estavam descuidados demais. Prendi meus cabelos negros com um laço qualquer e fui vê-lo.
Cheguei ao âmbito bem iluminado onde um desconhecido encontrava-se sentado no sofá, balançando impacientemente o pé, mas trazendo um sorriso simpático em sua face. 
Seus cabelos eram negros, o corte tijela já havia passado da validade e agora as pontas da franja eram jogadas para o lado. Seus olhos eram negros, porém, carinhosos. Suas feições eram belas, mas o poço em que eu havia me alojado não deixava que aquilo me entusiasmasse. 
Ao me ver, levantou-se do sofá e veio dar-me um abraço. Os braços dele me apertavam como se quisessem certificarem-se que eu estava ali, que estava viva. Meu corpo não teve nenhuma reação, apenas fiquei parada, estática, esperando aquilo acabar logo e eu poder voltar para o meu pijama e olhar o mundo apenas através de uma janela.
Como você está? Está bem? Sente dor? - O desespero na voz dele poderia ser engraçado, mas nada mais poderia devolver o meu sorriso, não naquele momento.
-Estou bem, obrigada. - Friamente, proferi. 
 Sentei-me e acenei para o lugar onde ele estava. “Ora, Deus, quando todo esse inferno vai acabar?”, pensei, enquanto observava-o sentar-se na poltrona em minha frente que estava vazia. 
-Eu estava muito preocupado com você. - Após dizer aquilo, ele levou a mão até a nuca de uma maneira que o constrangimento fosse visível. 
-Tudo bem.- Respondi sem ao menos tirar os olhos da televisão desligada.
O ambiente estava quieto, constrangedor, e, era culpa minha. Eu estava sendo fria, eu estava tornando aquilo desagradavel para os dois. 
-Acho que você não quer falar sobre aquilo, não é mesmo? Respeito você e tenho certeza que está passando por uma barra, mas eu só queria verificar que está tudo bem. - Ele tentava descontrair o ambiente, mas eram tentativas frívolas e inúteis. 
-Você não é o Clark Kent, não é nenhum super-homem e nem tem a obrigação de ficar cuidando de mim. - Nem eu sabia porque falava aquilo, talvez a sinceridade fosse resultado de horas de críticas mentais sobre as pessoas. Todavia, aquilo não era mentira. Notei o sorriso dele saíndo de seus lábios, notei, mais uma vez, o ambiente desagradável. 
-Tudo bem. Bom, pelo visto você não me quer aqui, então vou embora. - Apesar das palavras, suas feições voltaram a serem divertidas e agradáveis. 
Por um segundo, tudo o que minha mãe havia falado voltou aos meus pensamentos. “Porque ele salvou a sua vida.” Quando o vi levantar-se, esperei a coragem vir, a gratidão demonstrar sua existência. 
-Espera! - Gritei assim que ele colocou a mão na maçaneta da porta. Ele virou-se e me encarou. - Bom, desculpa pela maneira como estou agindo. Você não tem culpa de nada que aconteceu comigo, não tem culpa da minha grosseiria.- Enquanto falava, levantei-me e fui até ficar de frente com ele. -Você salvou a minha vida, eu lhe devo isso. Então muito obrigada. - Quando terminei de falar, senti a gratidão sincera presente em minhas palavras. 
-Eu poderia ter evitado, eu sei. Ah, se eu tivesse chegado mais cedo.- Ele falava mais pra ele mesmo do que pra mim. Agora a raiva e a decepção estavam estampadas na face dele.
-Você não tem culpa, não mesmo. - Coloquei um mão no ombro dele, como consolo.  Tudo aconteceu rápido demais. Quando eu vi, eu estava abraçada com ele, com o rosto colado no ombro dele e com as lágrimas -tanto evitadas- saíndo dos meus olhos e alojando-se na blusa dele.
-Calma, tudo isso vai passar. - Ele fazia-me sentir segura, mas trazia lembranças que eu tanto lutava para esquecer. Quando ele disse isso, senti como se fosse verdade, senti esperança, mas senti a dor novamente. DROGA!
Ele havia ido embora, mas a dor havia ficado, as lembranças pertubavam-me, o nojo estava pendido em minha garganta, em minha pele, em tudo. Chorando, corri até o banheiro. O âmbito era claro devido aos poucos raios do sol refletido nos azulejos cor de creme. Caminhei até o balcão de mármore que continha um grande espelho quadrado em cima do mesmo, pregado na parede.  Olhei-me como há muito tempo não olhava, senti as lágrimas quente escorrendo pela minha face, senti o nó em minha garganta misturar-se com o nojo que sentia de mim mesma. Sem hesitar, corri até o vaso sanitário levantando a tampa do mesmo e ajoelhando-me diante deste. Olhei para o meu reflexo na água limpa, vi uma menina infeliz, sem vida, mas que ainda respirava. A imagem estraçalhou-se com os pequenos movimentos circulares com a queda das minhas lágrimas. Não demorou muito até o vômito surgir com o nojo, os líquido sujo e imundo infectou a água que antes mostrava o reflexo de uma morta. Minha esperança, minha força... onde estavam? Sem levantar-me, fechei a tampa do vaso, sentei-me ao lado do mesmo e pus-me a chorar. As lágrimas traçavam um linha reta e encontravam-se com o chão, o mesmo chão que eu permanecia, o mesmo chão frio que estava me acolhendo. Eu não queria mais suportar a dor, eu não queria mais viver, não queria... Levantei-me decidida a tirar o nojo. Arranquei as minhas vestes com poucos movimentos, entrei embaixo do chuveiro logo após. Isso ajudaria. Meus dedos agilmente ligaram-o. A água fervente caiu sob a minha pele, encontrando e difundindo-se com as minhas lágrimas. Apanhei a bucha que estava ao meu lado. Com força, comecei a esfregar o meu corpo. A dor daquilo difundia-se com a água fervente que tratava de queimar a minha pele. Logo, manchas vermelhas apareciam no meu corpo. Eu não poderia parar, eu estava suja, eu precisava me purificar daquilo. Com mais força, voltei a esfregar o meu corpo. Eu não conseguia mais enxergar devido as lágrimas, não sentia mais nada além de nojo, minha pele agora mostrava-se mais frágil, a água queimava cada centímetro do meu corpo. Meu choro parecia incontrolável, eu rezava para que isso acabasse logo, para que eu morresse de maneira pacífica, sem sentir dor alguma, sem ir para o purgatório, apenas fechando os olhos e não vendo mais nada. Sem foco, vi um borrão vermelho diante dos meus pés. O que era aquilo? Com os dedos, tentei desembaçar a visão, não adiantou muito, mas foi o necessário para eu notar que estava sangrando, notar que em meu corpo havia cortes e uma vermelhidão profunda. Parei de me esfregar, tentei sentir o alívio, mas, ao invés do alívio, a dor e o nojo permaneciam em mim. Caí no chão sentada, comecei a chorar cada vez mais alto, gritando o suficiente para alertar qualquer pessoa de que haveria algo de errado comigo. Encostei minhas mãos no box-agora embaçado pelo vapor da água-, deixei meu rosto soluçar, enquanto os gritos de desespero e as lágrimas saíam de mim. Tudo doía mais ainda, não pelos machucados, mas pelas lembranças. A minha visão começou a falhar, senti o meu corpo ficar gelado, a pressão cair devido as dores e as lembranças, o fôlego faltar devido ao vapor. Aos poucos, tudo foi ficando escuro, mas, antes da escuridão total, consegui ver a silhueta de uma mulher pelo vidro do boxe, ela correria e desesperava-se cada vez que chegava mais perto de mim. Dei um último suspiro e tornei a cair na mesma escuridão que me acolhia há algum tempo.

Acordei algum tempo depois, no mesmo lugar onde havia acordado da primeira vez. Dessa vez, eu não espantei-me com o local. Pela porta do âmbito aonde eu permanecia, podia-se observar todo o corredor perfeitamente. Reconheci a minha mãe em frente à porta, irritada e ouvindo atentamente o que um homem que reconheci ser o médico dizia-lhe. Assim que ele fechou a boca e olhou para algum sinal de reação dela, ela assentiu e entrou no meu quarto jogando as minhas roupas pra mim. Olhei espantada as roupas brancas vindo em minha direção, acertaram em cheio a minha face, mas não havia doído nem nada do tipo, apenas me espantado.
VAMOS, KATHERINE, VISTA ESSA ROUPA... 
- ... esse é o uniforme do colégio... - notei rapidamente, espantando-me mais ainda.
EXATAMENTE! -ela cortou o que eu estava dizendo. Notei a raiva e o desespero na voz dela; ela estava me assustando. - E É PARA ONDE VOCÊ ESTÁ INDO AGORA! 
NÃO! - senti um medo e um desespero aflorando pelos poros do meu corpo - Não... eu não posso, não... - Tentei argumentar inutilmente.
Pela primeira vez, ela me encarava, me avaliava. Sem demora, as lágrimas que já deslizavam pela minha face sem eu notar, rolavam igualmente pela face dela. 
- BULIMIA, DEPRESSÃO, ACESSOS MASOQUISTAS, TENTATIVAS DE HOMICÍDIO! VOCÊ PENSA QUE EU NÃO SEI? QUE EU NÃO VEJO VOCÊ SE MATANDO AOS POUCOS? POR CAUSA DE UM VERME? EU SEI O QUE VOCÊ PASSOU, EU ENTENDO QUE ESTEJA SOFRENDO, MAS ELE QUERIA TE MATAR, E VOCÊ ESTÁ FAZENDO ESSE FAVOR PRA ELE! ENQUANTO VOCÊ FOR A MINHA FILHA, EU NÃO VOU DEIXAR VOCÊ CONTINUAR NESSE ESTADO, NÃO VOU DEIXAR VOCÊ ACABAR COM A SUA VIDA! - As palavras pareciam desengasgarem-se dela, tudo o que ela via e guardava para si durante quase dois meses. Vi-a não saber como reagir de outra forma, não saber o que fazer para me ajudar, mas lutando com suas forças para me manter viva. Sentou-se na beira da minha cama, pôs o rosto nas mãos e pôs-se a chorar. 
Mãe? - Perguntei como um sussurro, ignorando as lágrimas e envolvendo-a em meus braços. Eu estava matando todos que me amavam. Soltei-a, sequei as lágrimas com a manga da blusa de frio de moleton. - Vou me trocar, daqui uns dez minutos eu volto. 
Senti que ela esboçou um sorriso vitorioso e sincera. Não havia escolha. 

Um comentário:

  1. Sabe o que é perfeição? Uma história bem escrita? E o mais irônico é ser escrita por uma adolescente nos dias de hoje? É a sua história.Minha visita está garantida aqui, porque história mais envolvente está para aparecer.Diva, já disse que te admiro e sou sua fã? *--*

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