Capítulos III e IV



Capítulo III: De volta para o colégio.








O caminho para o colégio estava sendo constrangedor, nenhuma ousava falar algo. Abri um pouco a janela do passageiro, senti o vento batendo contra o meu rosto, meus pulmões exalando com desespero aquele ar puro, fresco que havia tanto que não exalava. Olhei para a minha mãe enquanto ela dirigia, percebi a expressão de felicidade em seu rosto, senti um ar diferente na mesma, então o ambiente logo deixou de ser constrangedor. Liguei o rádio do carro, aumentei-o de maneira razoável e conectei na única rádio que prestava. Minha mãe olhou-me de esgueira, sem aprovar ou desaprovar o meu ato. Logo a voz de um homem invadia o silêncio do carro, a voz doce com uma melodia suave.

- I've got an angel. She doesn't wear any wings, she wears a heart that could melt my own, she wears a smile that could make me want to sing, she gives me presents,with her presence alone... ( Eu tenho um anjo. Ela não usa nenhuma asas, ela usa um coração que pode derreter o meu, ela usa um sorriso que me faz querer cantar, ela me dá presentes só por estar presente.) - Ao ouvir o começo da música, meu cérebro já passou-a para o masculino e, com um riso fraco, lembrei do Matheus.
- Mãe? - Chamei receosa.
- Sim?
- Vai ser difícil?
Dessa vez, não precisei de nenhum complemento para indicar ao que me referia.
- Vai, mas você vai ter pessoas do seu lado. - Ela sorriu e pegou rapidamente na minha mão, depois voltou a mesma ao volante, mas sem retirar o sorriso.
Logo as melodias finais da música começaram a desaparecer e dar início a outra música qualquer. O carro parou subitamente, senti meu âmago relutar, meus olhos focaram-se na grande construção branca com os dizeres "Colégio de Stanford". As pessoas ao redor chegavam de todos os lados, mal notavam a minha presença ali. Apesar do medo, senti que aquele lugar era seguro, que ali eu poderia retomar a vida. Um calor de esperança inundiu meu peito.
- Boa sorte, Katie.
Sim, era o que eu necessitava no momento; sorte. Peguei a mochila com uma mão, enquanto a outra tratava de abrir a porta do carro.
Suspirei sem saída, procurando reunir o pouco de coragem que me restava. Fechei os olhos e saí, tornando a abri-los assim que meus pés fixaram-se firme do asfalto. As pessoas passavam por mim, algumas não notavam a minha presença, outras cochichavam baixo com outras pessoas e apontavam. Eu, no fundo, sabia que seria assim. Um som estridente alertou a todos que era hora de entrar e dirigirem-se, cada um à sua devida classe. Coloquei a mochila em um ombro e caminhei seguindo o fluxo de alunos.As primeiras aulas foram normais, apenas seguida de olhares e cochichos sobre o meu inesperado retorno e os porquês. 
O sinal para o intervalo bateu. Senti um alívio, já que eu não havia comido nada desde não sei quando. As pessoas correram para o encontro dos seus amigos. Eu me contive, caminhei lentamente, já que todos os meus amigos pareciam, ou melhor, os que eu achava que eram meus amigos tinham repulsa no olhar ao falar comigo. Enquanto caminhava pelo corredor branco cheio de armário, ouvi alguns fragmentos de conversas com os dizeres: "Ele é lindo, não acha? ... Soube que ele entrou esses dias... qual é mesmo o nome dele?... Vou convidá-lo para o baile de máscaras..." Esses comentários seguiram-me até o fim do corredor, onde estava o meu armário e próximo ao refeitório. Antes de alcançar o armário 912, senti que alguém acabara de puxar o meu braço.
 Ao virar-me, me deparei com os olhos negros e carinhosos, cabelos desgrenhados e um sorriso maroto. Matheus. Não sei o porquê, mas me senti tão bem em alguém não estar me olhando como se eu fosse um monte de lixo ou uma pobre coitada, me senti tão bem ao vê-lo que atirei meus braços em seu pescoço. Ele retribuiu o abraço apertado.
- O que você tá fazendo aqui em Stanford? - Perguntei assim que me soltei dele. Por cima do ombro dele, vi algumas meninas lançando olhares reprovadores para mim.
- Eu? Vim aqui pra você ter companhia, um super man, lembra? - Ele sorriu. Ao notar que eu abri a boca para reprovar o feito, ele prosseguiu. - Nem vem, não vou ir embora daqui, gostei da escola. É engraçado, aqui as meninas ficam se jogando pra cima de mim... quer ver? - Acenti para ele, esperando sua reação.
Ele caminhou até o centro do corredor, onde estavam as garotas que me olhavam feio.
- Olá, garotas. - Ele sorriu sedutoramente para elas.Notei que as cinco começariam a disputar a atenção dele.
- Você quer ir ao baile comigo? - Uma delas gritou, destacando-se.
- Não! Você vai comigo! - Uma outra interferiu.Logo, as cinco faltavam se matar pela atenção dele, tanto que nem notaram que ele já estava do meu lado.
Comecei a rir com a cena. Depois de alguns segundos notei que era a primeira vez que ria de verdade.
- Dom Juan, pare de dar esperança para as meninas. - Tentei emitir um tom de reprovação, mas caí no riso ao olhar para o rosto dele.
- Você se importa se elas te odiarem? - Ele mudou de assunto, de repente.
- Não, nunca gostei delas mesmo. - Sorri.
- Então, você quer ir ao baile de máscaras comigo? - Por cima do ombro dele, consegui notar o enorme pôster com uma máscara no centro e com os dizeres "Baile de máscaras. Sexta, 15 de Setembro."
Apesar de ter gostado da companhia dele, não queria ir para nenhum baile, não estava muito afim de sair.
- Por favor, eu te prometo que você vai se divertir. - Ele parecia conseguir ler os meus pensamentos.
- Eu não... - fiz uma careta. Ele me interrompeu, ajoelhou-se na minha frente, pegou a minha mão.
- Eu me ajoelho, se quiser, contrato orquestra sinfônica de Berlim, chamo o papa, imito um cachorro, mas, por favor, diga sim. - Não consegui não rir, mesmo com os olhares das meninas fuzilando-me.
- Se levanta e diga o porquê. - proferi.
- Porque eu disse que te ajudaria a sair dessa, eu te prometi e vou cumprir. E, também, porque vai ser legal e, outra, eu não conheço ninguém aqui e quero que a minha amiga vá comigo. Você deve ser legal com os novatos. - Ele usou um tom de chantagem, mas com um ar divertido.
- Você me paga! - Suspirei. - Tá bom, eu vou. Porém, se eu não me divertir, eu vou embora e te largo lá.
Ele sorriu divertidamente, beijou a minha mão e me puxou para o refeitório.
- Esse beijo na mão foi um exagero para as meninas me odiaram, né, seu cachorro. - Ele não respondeu, apenas sorriu.
Os dias tornaram-se mais divertidos, todos os dias que ria com a companhia dele. Ora, ele é mais agradável do que pensei, sempre me pegava nesse pensamento. As meninas me odiavam loucamente, grande parte delas. Notei que não tinha mais amigos ali, que o Matheus havia tornado-se meu único e melhor amigo. Todas as tardes após as aulas, íamos para uma lanchonete e nos acabávamos em lanches, embora tudo o que eu sempre comia acabava parando no vaso sanitário de um banheiro qualquer. Ele logo notou isso. Aos poucos, a data do baile foi se aproximando, as expectativas também, os medos igualmente. Eu parecia ser a única a não ter um vestido ou a não planejar uma festinha particular com o parceiro após o baile.








Sexta, 15 de Setembro. 

Era noite do baile, ou quase, já que ainda eram 12:30 e tínhamos acabado de sair da escola.
- Pra onde estamos indo? - Perguntei, enquanto Matt enlaçava o seu braço ao meu e me levava direto para o outro lado da rua, onde havia uma loja de vestidos. - Ah, não! - tentei me soltar quando notei qual era o plano. - Matheus, eu não vou! - Mais uma vez tentei me soltar, mas o braço dele me segurava contra o seu corpo como um abraço de lado.


- Ei, relaxa, Katie, você só vai me falar suas medidas. Eu cuido do resto. - Ele me deu uma piscadela marota. 
Quando pensei em desvencilhar novamente e correr para as colinas, notei que já estávamos passando pela porta do estabelecimento. 
- Boa tarde, em que posso ajudá-los? - A atendente mal ergueu os olhos para nós, mas teve um tom de nojo que me irritou. 
Virei-me bruscamente, mas os braços dele foram mais rápidos.
- Gostaria de falar com a Maria Eduarda France. - O tom dele era indiferente, talvez um pouco autoritário.
Um riso solitário ecoou pelo âmbito da loja, chamando a atenção de alguns clientes que provavam os mais diversos vestidos. Notei em um dos corredores uma menina loira me olhando com desprezo, reconheci-a do corredor.
- Você quer falar com a dona da rede de vestidos France? - O tom dela parecia divertido, mas ele continuava a olhar indiferente.
- Eu sei que ela está aí, chame-a. É importante. - A autoridade dele era notável, sua postura estava mais para um comandande do exército do que para um garoto que queria falar com a dona da rede de vestidos mais famosos de Stanford.
- O que está acontecendo aqui? - Uma senhora elegante apareceu sob as escadas de vidro que pareciam levar à algum lugar exclusivo da loja.
- E-esse garoto está e-encomodando. D-disse que que-queria falar com a senhora. - A atendente era jovem, só agora que eu notava. Os cabelos eram loiros dourados, lisos e caíam até o ombro. Ela gaguejava mais do que tremia, ou seria o oposto?
- Ah, filho, ainda bem que você veio. Acabei de convocar os melhores vestidos da cidade pra você escolher. - A dona da loja abraçou o Matt e me abraçou em seguida. Fiquei em choque, quase sem reação. Mas a reação pior foi a da atendente que estava horrorizada e via-se o medo no olhar dela.
Ela nos guiou escada à cima. Passamos a maior parte do tempo apenas tirando medidas, depois, como ele havia falado, ele iria escolher e levar até a minha casa. Tivemos uma pequeno discussão sobre quem pagaria os vestidos. Ele não me deixou pagar por nada. Após cerca de uma hora, eu já estava exausta de tirar medidas. Sentei no sofá de veludo branco e fiquei a esperá-lo. Enquanto ele não vinha, senti um pouco de solidão voltando, senti as imagens em minha cabeça novamente, senti as lágrimas traçarem o caminho reto até as minhas pernas. Uma dor, uma dor forte como uma estava voltada a queimar em minha pele. Debrucei-me sobre as minhas pernas, enquanto tentava controlar o choro. Era difícil explicar o porquê, talvez fosse apenas uma previsão, um susto ou coisa assim. As lembranças eram as piores possíveis. Ouvi passos abafados no corredor, mas não olhei, apenas senti alguém sentando-se ao meu lado no sofá, me enlaçando com os braços e apoiando a boca no topo da minha cabeça.




- Bem-vinda ao poço novamente, Katie. - sussurrei. Minhas palavras foram abafadas pelo tórax da pessoa que me abraçava.
- Shhhh, Katie, eu tô aqui, não vou deixar você cair novamente. - Antes mesmo das palavras, eu já tinha noção de quem as proferia. 
Depois de algum tempo em que permanecemos sem nos mover, além das respirações ofegante, observei-o se levantar e sentar-se à minha frente. 
Nossos rostos estavam frente à frente, ele comprimiu os lábios e levou suas mãos até onde deslizava uma lágrima solitária, secou-a. 
- Olha pra mim. - Obedeci. - Eu não vou deixar você cair em depressão novamente, entendeu? - Ele não havia feito uma pergunta que necessitava de resposta, era mais para uma afirmação.
- Eu... eu sei. 




Agora eu estava notando a proximidade de nossos rostos. Estremeci. Uma lágrima solitária começou a escorrer lentamente pelo meu rosto, mas o polegar dele deteu-a. A mão quente dele queimava sob a minha pele, enquanto minhas pernas tomavam uma temperatura fria desconhecida. Nossos olhares cruzaram-se e permaneceram ligados fixamente. Vi um olhar diferente nele, algo longe do divertido ou do irmão protetor, algo que ele parecia não conseguir esconder. Ele mordeu os lábios. Nossas respirações cruzavam-se, ambas estavam ofegantes e aceleradas. O lábio dele começou a chegar mais junto do meu, eu não conseguia me mover, não tinha reação, apenas observava e esperava pelo toque de ambos os lábios. Mas isso não aconteceu. Ele desviou a pouco centímetros dos meus lábios e depositou um beijo quente na minha testa.
- Vamos embora. - Ele disse, enquanto se levantava e caminhava até a ponta da escada.
Saímos para comer um lanche em uma lanchonete costumeira. Como de costume, recusei comer, mas fui convencida por ele. 
- Preciso ir no banheiro. - Anunciei como de costume. 
- Você não vai vomitar. - Ele proferiu sem ao menos retirar o olhar do lanche que devorava.
- Eu não...- Tentei argumentar, mas ele proferiu mais alto.
- Você vai, eu sei que vai. 
Corri para o banheiro, sem saída, já que a comida estava pendida em minha garganta. Ele seguiu-me, e, antes que pudesse trancar a porta, ele pôs o pé entre a porta e a parede, evitando que ela fechasse. Eu não conseguia segurar mais, apenas joguei-me ajoelhada diante do vaso sanitário branco encardido que apresentava-se em minha frente. Não pude ver a expressão dele, apenas senti suas mãos reunindo meus cabelos e segurando-os de um modo carinhoso. Ele dava leves tapa contra as minhas costas, consolando-me. 
- Você tem que parar com isso. - Ele sussurrou, encostando os lábios na minha orelha. Estremeci.
Tudo o que eu havia comido boiava diante de mim, mas em formas e cores estranhas. Ele me ajudou a levantar, recolheu os fios que haviam soltado-se e segurava-os para que eu pudesse lavar meu rosto e minha boca.
-
Eu não consigo. - Disse, assim que cuspi todo o conteúdo de água que havia em minha boca. Era verdade, eu era fraca. 


Enquanto saíamos do banheiro, uma mulher nos viu e lançou um olhar de indignação para nós. 
- Moça, você tem um batom? - Me surpreendi com o tom e a pose que o Mat estava usando. Cai no riso. O olhar da mulher agora era estranho, enquanto balançava a cabeça. 
Quando nos afastamos o suficiente e ouvimos a porta do banheiro fechando, disse rindo:
- Você não vale nada, Matheus. 
- Mas você gosta de mim assim. - Ele me lançou um olhar sedutor que me fez rir mais uma vez.
Ele me puxou mais para perto de si, passando o braço pelos meus ombros.
- Vamos embora, temos que nos arrumar para aturar a festa. 

Enquanto estávamos no carro, reconheci o caminho para a minha casa sem dificuldades. O carro estava quente, contrário do ambiente de fora do carro, abafado de maneira positiva, mas nada disso me incomodava, exceto o perfume dele que o carro exalava. Respirei fundo e prendi a respiração, aproveitando internamente o cheiro dele, alimentando os meus pulmões, sentindo meu coração travar uma batalha contra o meu peito, sentindo cada minúsculo pêlo da minha pele se arrepiando. O que estava acontecendo comigo? Sacudi a cabeça tentando me livrar daqueles pensamentos e sintomas. Ele ligou o som, afastando o silêncio de nós. 



- (...) We can get away to a better place if you let me take you there. We can go there now cause every second counts. Girl, just let me take you there. (...) 
- Take you there. - Ele completou junto com o rádio. Sorriu de canto e me lançou um olhar divertido.
Assim que a música finalizou, um som de viatura inundou o carro. 
- Perdoe-nos por interromper a transmissão da "Stanford, a sua rádio", mas precisamos repassar um comunicado importante. - O locutor da rádio parecia um pouco apreensivo, mas também era notável o transtorno por ter que parar a programação da rádio. - Após seu último ataque há dois meses, o Maníaco de Michael Myers, nome dado pela polícia ao estuprador e assassino de várias adolescente, havia parado com os ataques. Tudo indica que ele havia fugido após uma tentativa frustrada de assassinato à uma jovem residente local. O mistério acabou! - Senti meu coração bater desgovernado, minha garganta queimar, meu corpo ficar gelado. Apesar do locutor ainda não completar, eu sabia o que ele iria dizer. - Mais uma jovem foi encontrada morta, e tudo indica que ele voltou. A polícia... 
Minha atenção foi desviada para o Matt que esmurrava o volante com ferocidade. 
- ELE NÃO VAI ESTRAGAR A VIDA DE MAIS NINGUÉM! - Ele parecia fora de si, transtornado, cheio de ódio. - Katie, ele não vai te machucar, ele não vai tocar mais em nenhum fio do seu cabelo, entendeu? - Ele aproximou-se de mim, senti a urgência em sua voz, o desespero e o ódio em seus olhos. - Não chore, por favor, ele não vai encostar em você, eu te juro, eu te juro por tudo o que é mais sagrado; Ele não vai mais te machucar! - Nem mesmo eu havia notado que chorava. Ele me abraçou. Era uma abraço urgente, desesperado. Seus lábios tocavam o topo de minha cabeça. - Eu te juro. - Ele sussurrou. 
Nada mais aconteceu, o silêncio nos acompanhou até a entrada da minha casa. Assim que abri a porta do carro, senti o vento gélido bater contra meu rosto, arrepiando-me os pêlos. Estremeci com o frio. Olhei para trás para me despedir.
-
Quero que hoje seja o seu dia perfeito. Vá, arrume-se, faça tudo o que uma garota normal faria, não se preocupe com nada. - Abri minha boca para protestar, mas ele foi mais rápido. - E sim, eu já falei com sua mãe e está tudo marcado. Ela saberá te guiar. Até mais, Katie. 


Ele fechou a porta do carro e acelerou. Vi o carro virando a rua e desaparecendo de minha visão. Mordi levemente os meus lábios. Minhas mãos já estavam mais geladas que o próprio vento que teimava em bater contra o meu corpo. Corri para dentro de casa e deparei-me com a coisa mais bizarra que já tinha visto na minha sala. Minha sala havia desaparecido, no lugar haviam cadeiras típicas de salão de beleza, lavatório, uma mesa com todos os tipos de pentes, acessórios, cremes disponíveis. Olhei horrorizada para minha mãe que sorria triunfante. Ao lado dela, vi as três mulheres que trabalhavam junto com minha mãe no salão de beleza da minha mãe. 
- Mãe, você não... - Antes que pudesse terminar a frase, fui puxada por elas e obrigada a me sentar. 
- Cindy, me passa a tesoura, o pente e o spray. - A cabelereira do salão, que gostava de ser chamada de Mística, era conhecida pelos seus cabelos roxos berrantes. 
Vi a loira que aparentava ser a mais nova entregar o que a Mística havia pedido e logo ajoelhar-se, tirar meus tênis e obrigar meus pés a entrarem na água quente. 
- Graças a Deus meu sonho de arrumar você vai se realizar. - Minha mãe proferiu grandiosamente, agradecendo mais do que comentando. - E você não ouse falar nada, se não te faço entrar para o clube de teatro, de leitura, de poesia, de tudo que te mantiver na escola durante um bom tempo. 
- Isso é um abuso de poder! - Resmunguei irritada. 


Narrado por Michael. 





Eu estava saciado, pelo momento. Eu teria que terminar o que havia começado, eu preciso aniquilá-la. Senti na pele um arrepio suave, sorri com as lembranças do seu cheiro, do seu toque, eu podia me aproveitar mais um pouco. Via-me diante de um prédio espelhado, minhas vestes e minha face eram minhas melhores máscaras. Todos os que passavam por mim acenavam, eles tinham a noção da importância que eu transpirava por todos os poros. Solidão. Solidão havia sido a melhor amiga dos meus doces devaneios, enquanto estava escondido, alimentava-me com esperanças. Sim, um caçador também tem esperanças; tem a esperança que sua caça fosse saborosa. Eu não podia deixar um caça solta por aí, eu precisava agir logo, precisava sentir a última batida de seu coração e a vida esvairando de seus olhos. 





Narrado por Matt.





Olhei-me pelo retrovisor do carro. Estava com o cabelo penteado perfeitamente para trás, como nunca estivera, com um rosto de uma pessoa mais importante e não de um moleque. Olhei para o meu colo e vi a máscara prateada que deveria usar. Suspirei fundo, tentando controlar a minha ansiedade em vê-la. Coloquei a máscara que cobria a parte superior do meu rosto. Olhei para frente e vi a casa dela. Borboletas lutaram contra o meu estômago, fazendo sentir-me mal por uns instantes. Suspirei e saí do carro. A corrente de ar frio bateu contra o meu corpo. Pela primeira vez em anos, eu estava elegantemente vestido. Acertei a gravata branca, tentando me acalmar. Caminhei lentamente até a porta, ensaiando mentalmente o que iria dizer e as caras que faria. Dei três batidas na mesma. Aguardei, ansioso e mal me contendo ali parado. A porta abriu-se e revelou uma mulher com os cabelos roxos que sorria para si mesma. 
- Pois não? 
- Er, eu sou o Matheus. A Katie... - Ela não me deixou terminar o diálogo ensaiado mentalmente.
- Ah, é o par dela! Entre! 
Ela me puxou para dentro feito uma louca. Quase tropecei nos meus pés, mas consegui me apoiar no corrimão da escada. 
- Ela está pronta? E, ah, olá. - Acenei para a mãe da Katie que estava sentada em uma cadeira, solitária, mas com o olhar feliz. 
- Acho que tá sim. Sobe lá e confere. 
Enquanto subia as escadas, sentia que minhas pernas logo cederiam e eu pagaria um mico tremendo diante de todas ali. Tentei controlar a minha respiração para me acalmar, mas não funcionava. Logo vi quatro portas no pequeno corredor, uma estava semi-aberta. Ouvi de longe sua voz reclamando, angustiada, sobre o fecho do vestido. Sorri para mim mesmo, antes de tocar com a mão na maçaneta e empurrar levemente a porta. 
Silenciosamente, abri a porta e fiquei parado, apenas observando. Ela estava linda, linda seria ofensa à sua beleza, ela estava maravilhosa. Não consegui conter o sorriso, mordi a parte inferior dos meus lábios, mas nem isso adiantou. Ela estava se olhando no espelho, de costas para mim, com os braços postos para trás, tentando fechar o zíper que estava aberto um pouco acima da cintura dela. Ela me localizou pelo espelho e automaticamente corou. Tentei conter meu sorriso novamente mordendo meus lábios, mas não ajudava. Fitei-a pelo espelho, enquanto me aproximava dela. As borboletas em meu estômago pareciam terem travado uma guerra entre si. Meus passos eram lentos, ao contrário do meu corpo que explodia em sensações e sentimentos. Cautelosamente, ergui a mão e meus dedos tocaram na suas costas nua. Meu sorriso abriu-se mais ao notar sua pele se arrepiando. Com a ponta dos dedos, ergui o zíper com o qual ela tanto lutava. Via pelo enorme espelho que seu quarto tinha. O vestido tomara-que-caia preto e com volume que minha mãe havia escolhido era um dos mais, se não o mais lindo que eu já havia visto. Abracei-a por trás, enlaçando nossas mãos e sussurrando em seu ouvido:



- Você está maravilhosa.

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